Tuesday, 27 January 2009
O mercado da alquimia
Juanito, Bar Pinotxo, Mercat de la Boquería. Fotografia de autor desconhecido.
Nesta manhã de Sábado sente-se o temporal até dentro do Mercado de La Boquería. Notam-se os destroços do vendaval que assola o norte de Espanha, e só quando me atinge aquela sinfonia de cores, cheiros e imaginados sabores esqueço o vento gigante lá fora. Na primeira banca emergem as frutas como se estivessem a cumplimentar-me. Os melões parecem cabeças pensantes, os ananazes exibem os seus extravagantes penteados, rodeados por outras frutas exóticas, das quais apenas identifico nêsperas e papaias. Chamam-me a avisar que temos lugar no bar Pinotxo e aceno uma silenciosa despedida às bananas que dormem juntas umas das outras e ao sorriso de dentes negros das melancias. O bar Pinotxo é mais do que um restaurante de mercado, é um sítio para disfrutar dos melhores produtos de La Boquería , um sítio tão variado e colorido como a banca de fruta que me hipnotizara antes. O dono do bar, Juanito, trabalhou uma vida vivida naquele mercado, está há mais de sessenta anos ali, com o seu permanente sorriso e o ar gozão em claro contraste com a pinta de Kirk Douglas catalão. A primeira vez que vim a Barcelona, há quase dez anos, tomei o pequeno almoço aqui depois de uma noitada que acabou às nove da manhã. Lagostins gigantes, patatas bravas e uma série de cañas para regar o festim. Ainda me lembro do seu riso e da cara de espanto quando eu e o Nuno dissémos nessa manhã que era o melhor pequeno almoço do mundo. Hoje vim para um almoço mais calmo, mas o Pinotxo parece manter a mesma vitalidade de então, apesar das rugas que sulcaram o seu rosto. Diz eloquentemente a uns turistas italianos que já atendeu o Ferran Adriá e o Jean Paul Gaultier ali, enquanto lhes serve copos de cava, calamares e ameijoas. Sorrio enquanto ele nos conta o que tem para almoçar, e vamos ficando todos com água na boca. Como nos sítios que trabalham com produtos do dia, a ementa vai mudando conforme o que aparece, e hoje há chipirones com favas, garbanzos con butifarra negra, navalhas, costelinhas, estufado de vitela, espetadinhas de veado, revueltos de cogumelos ou gambas e callos. Pedimos um pouco de tudo porque aqui a comida é em pratinhos para dividir, acompanhamos com um tinto Rioja Luis Cañas e no fim rematamos com um café solo e um chupito de whisky porque, como diz o Juanito, “é Sábado, aproveitem para sair daqui com um sorriso”. Quando nos levantamos os meus pés seguem o ritmo dos nossos risos, e não sei se caminho ou se danço nos corredores do mercado. Noutra banca do mercado há abóboras que parecem esperar a chegada de uma Cinderela que as liberte, cebolas, pepinos e tomates a discutir calorosamente a receita do gaspacho e na caixa ao lado, vejo um semáforo composto por pimentos vermelhos, amarelos e verdes. Caminhamos para a saída ainda a rir, no conforto do fim de semana, e ouvimos uma peixeira a apregoar na sua banca, mostrando os peixes que brilham como grandes moedas de prata, anunciando aos quatro ventos que naquele mercado existe a alquimia de converter o peso em ouro.
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6 comments:
Apaixonei-me por Barcelona. Vim aqui em Setembro, procurando emprego, não encontrei nada (não tive muita sorte com o contexto internacional...). Agora volto a Portugal. Agradeço-te por este blog, assim poderei ter noticias de Barna.
Grande Almoço!!! Fiquei com água na boca...
Que bom...
Isto é gráfico :D
Da próxima vez que estiver em BCN, não me hei-de esquecer.
Experimenta, no mesmo mercado, o Quim de La Boqueria. Mais pequeno, mas muito bom!
Experimentarei, Ideafix. :)
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