Monday 13 September 2010

Memória de uma tarde de Verão


Barcelona, Setembro de 2010. Fotografia de K.


O tom moreno das tuas pernas e o sal do mar no teu ombro direito são a melhor recordação de um sábado vivido sem pressas, que chegou sem se fazer notar, como um amigo tímido e discreto. A noite anterior fora caótica e agitada, mas nesse sábado apareceste na praia tranquila, vestida nesse teu estilo peculiar, com a tua extravagante maneira de gostar de mim e essa secreta força que comanda o rumo da tua vida. Sob o sol escaldante de Setembro oferecias-me inesperadamente a memória de lábios húmidos, o tacto de uma pele de veludo e o ardor de uma chama interior, onde me queimaria sem hesitar. No céu, o adejar das gaivotas e nuvens brancas que flutuavam sem rumo. As tuas pernas morenas, o olhar decidido que desafiava o meu olhar tranquilo, o segredo que as mulheres jovens levam dentro e passeava insinuante no teu sorriso. Sentia-te respirar junto do meu pescoço e parecia que uma obscura verdade descobria o seu véu, ouvia as ondas a rebentar na areia e sentia a areia entre os dedos da minha mão. Pensei que talvez tudo na minha vida fosse efémero, que as coisas boas nunca me duravam muito tempo e resolvi abandonar-me no suave refúgio dos teus braços. A brisa marinha fazia esvoaçar docemente os teus cabelos e foi nesse momento que deixei de pensar e disse o teu nome.

Thursday 2 September 2010

Terça-feira


Fotografia de K.



Às dez liguei-te para dizer-te que já tinha feito dois telefonemas para Hong Kong e um para Singapura, sem falar nos doze e-mails por abrir e a reunião que tinha que preparar para o meio dia. Disse-te também que tinha saudades tuas. Às onze e meia ligaste-me tu a contar-me a tua manhã de trabalho na universidade, os problemas com o aluguer da casa e a falta que sentias de mim. Desejaste-me sorte para a reunião e evocaste a espuma fresca das cervejas que tomamos no Domingo passado. Mas a manhã não era bela nem loira como essas cervejas. Às três e meia liguei-te, depois de almoçar, para dizer que o sashimi que comi me fez lembrar quando fomos ao Kibuka celebrar um mês que nos havíamos conhecido. Às seis ligaste-me tu a dizer que saías a correr para apanhar o comboio, que ainda tinhas que ir ao ginásio e às oito uma apresentação já não sei de que livro e depois jantar e uns copos. Eu disse-te que me ligasses quando chegasses a casa, se não fosse muito tarde. Às duas e um quarto da manhã ligaste-me e garanti-te que não me tinhas acordado. Na varanda via umas poucas janelas acesas nos prédios escuros das redondezas, e ouvia com alegria as tuas notícias nocturnas, os mexericos do teu mundo universitário. O silêncio da noite enaltecia o tom suave da tua voz, e notava-se o feliz que estavas, mesmo quando dizias que tinhas falado em mim várias vezes essa noite. Às vezes gostava que o amor aparecesse de surpresa, como aquelas crianças que se escondem desejando ser descobertas, que brotasse de uma relação intermitente e a fizesse ser algo que valesse a pena. Que valesse a pena por isso perder uma casa, um país, o salário de um ano, estar unicamente empenhado na arte de ser feliz e justo, no outro lado da tua voz.