Sunday 28 September 2008

Queria contar-te a história mais bonita do mundo

Escola Secundária Clara de Resende, Porto, 1991. Montagem de K.


Para a Marta Lagos, onde quer que esteja


Eu tinha uma mochila da Nike e um blusão cinzento. Usava o cabelo muito curto e loiro, e esperava na entrada da escola para te ver chegar. Tu vinhas de Vespa, preta como o teu capacete. Guardava sempre o meu melhor sorriso para quando tiravas esse capacete e, sacudindo o longo cabelo louro, olhavas para mim. Sabias que eu estava ali mesmo antes de parares, e vinhas sempre provocadora pedir-me um cigarro. Sabias também que eu não fumava.

Às vezes ias assistir aos treinos da equipa de volley da escola com alguma amiga e fingias que olhavas para os outros rapazes mais velhos, da tua idade. Um dia a bola foi parar perto de ti e quando a fui buscar disse-te "sei que é a mim que vens ver, porque não mo dizes?". A resposta foi uma careta a desdenhar a minha afirmação, e o rubor a surgir na tua face. "Não ligo a miúdos", disseste, e eu pisquei-te um olho e sorri, antes de voltar para o treino.

Cadernos pautados, livros e folhas quadriculadas faziam parte dos meus dias. Calções de desporto, joelheiras, as fugas aos almoços horríveis na cantina da escola. A passagem da companhia do Júlio Verne para o García Márquez, do Tintin para o Corto Maltese, dos Dire Straits para os Soundgarden. Os jogos de Pacman trocados por sessões de cartas, sempre à procura da mágica manilha. Os torneios de futebol nos intervalos das aulas adiados por beijos escondidos.

Um dia pedi-te ajuda para um trabalho de Português, o que provocou primeiro o teu riso mas depois uma anuência com a qual eu não contava. A composição que tinha sido pedida era difícil e eu queria contar com a tua ajuda, além da tua companhia. E como me ajudou o teu sorriso, como me inspirou a tua pele morena, o teu fresco odor adolescente. Quando me beijaste perguntei-te ao ouvido se já ligavas a miúdos, e rimos ambos, um riso que por vezes ouço, um ricochete de felicidade nas paredes intemporais da vida. Não sabia nessa altura que a primavera dura apenas um segundo.

Mostrei-te o trabalho final antes de o entregar, afinal tinha-o escrito por e para ti. Eu sabia que estava bom, mas o meu entusiasmo só apareceu depois de ver o teu. Não queria ter uma boa nota, nem queria louvores da professora, queria apenas contar-te a história mais bonita do mundo. Disseste-me que não deixasse de escrever nunca. Ainda hoje faço dançar a tinta negra de uma caneta, que desenha no papel formas do alfabeto e nessa dança aparecem as palavras que já lá estavam antes da tinta as revelar. Ainda hoje abro um ficheiro de Word e primo as teclas que comandam o aparecimento de caracteres nos cristais líquidos do écran. Ainda hoje, tanto tempo depois de teres desaparecido. E sempre que o faço lembro-me das palavras que disseste nessa tarde antiga, lembro-me que um dia te quis contar a história mais bonita do mundo.

Friday 12 September 2008

Premonição

Cala Mitjaneta, Menorca, Agosto de 2008. Fotografia de K.


Quando olhei para o Mediterrânico vi-o estender-se como uma língua azul sobre a ilha de Menorca. Lá ao fundo, à direita, a Cala Mitjaneta, a praia dourada, escondida atrás das rochas como um tesouro perdido. Era a hora do silêncio, em que apenas o suave sussurro do mar era audível, como música enterrada na areia. Assomava-me sobre o mundo, abraçado pelo vento que trazia o aroma dos bosques e do arvoredo, e esperava para ver os meus amigos chegar no veleiro branco, no local combinado. Chegariam e aquela praia não seria o nosso limite, enquanto o Verão continuasse a pincelar a natureza de um tom azul-esverdeado que tinha matizes de uma felicidade antiga. Respirei o ar quente e cheio de promessas das coisas que havia imaginado, escondi-me um pouco na sombra, fechei os olhos e sonhei que a tarde era um falcão azul, que se perdia nos céus com as suas asas nuas.

Wednesday 10 September 2008

Roma

Piazza Navona, Roma. Setembro 2008. Fotografia de S.L.


...Procuras Roma em Roma, ó peregrino,
e achar em Roma a própria Roma falhas;
se agora são cadáver as muralhas,
é de si mesmo túmulo o Aventino....
Jaz, onde antes reinava, o Palatino;
e, do tempo corroídas, as medalhas
mais parecem destroços de batalhas
de outras idades que brasão latino....
Só o Tibre restou, cuja corrente,
se a regou cidade, hoje sepultura,
a chora em som funesto e comovente....
Ó Roma, de teu esplendor e altura
ruiu o que era firme, e tão somente
o transitório permanece e dura.
"A Roma sepultada nas suas ruínas", Francisco de Quevedo

Monday 1 September 2008

Só para dizer que finalmente chegaram... as férias

Anna e Maite. Menorca, Agosto de 2008. Fotografia de K.


Já o tinha escrito há uns anos, noutro blog, mas tenho vontade de escrever outra vez estas palavras, tão merecidas. "A vontade de partir vive dentro de mim, apenas à espera da madrugada em que tudo volte a ser novo e desconhecido. À espera daquele frio no estômago e do suor na palma das mãos, sabendo que a minha vida cabe dentro de um par de malas e, não tendo mais nada, tenho tudo."

Até breve.