Pátio no Raval, Barcelona. Março de 2009. Fotografia de K.Na claridade da manhã deste sábado já primaveril, na calma de um dos muitos pátios escondidos do Raval, as crianças confraternizam-se com a alegria de voltar a brincar nas ruas. O sol aparece de trás das nuvens e incide levemente sobre elas, faz com que novas cores apareçam nas suas faces saudáveis e sorridentes. Fecho o livro que estou a ler e olho-as com mais atenção. Então vejo que estão não só a brincar mas também a treinar com umas fitas circenses. Um homem jovem acompanha o pequeno grupo e treina também, enquanto vai dando conselhos a todos, em particular à rapariga mais velha do grupo. O vento afaga-lhes os cabelos com a sua mão invisível e o sol, vencido pela sua timidez, volta a esconder-se atrás das nuvens brancas. Um novo grupo de crianças chega ao pátio e junta-se às brincadeiras. As meninas cantam, e movem-se quase em sintonia. Não entendo o que cantam, mas são cantigas simples, de sentido insondável, acompanhadas de gestos estudados. Os rapazes, como sempre, correm anarquicamente atrás uns dos outros e travam lutas imaginárias com as fitas coloridas, como se entre eles tecessem uma tela de cores. A monitora que chegou com o segundo grupo de crianças conversa silenciosamente com o homem jovem, que sorri e tem estampado na cara o quanto quer aquela mulher. Recordo como eram as minhas brincadeiras no recreio, no Porto. Os mesmos risos, a mesma alegria. Não são só mil e trezentos kilómetros de distância, é um universo paralelo que já só existe dentro de mim, na recordação daquele ser pequenino que fui e dos amigos e amigas que cresceram comigo. O sol volta a brilhar e as crianças gritam entusiasmadas o amor espontâneo à vida, a vida que vai chegando despercebida e breve. Também quero ter uma criança assim, um dia. Sorridente, feliz, a brincar na rua sob o sol primaveril. Os dois monitores viram-se para o grupo, em silêncio, e olham as crianças contemplativamente, com um sorriso sonhador nos lábios tristes.