Saturday 29 September 2007

Um

Bar Marsella, Barcelona. Fotografia de K.


Na rua, a brisa vinha suave de leste. O odor era pestilento, o habitual naquele cruzamento da Calle Robadors com a Sant Pau e as vozes das putas, dealers e chulos de terceira categoria passavam como uma revoada por nós. Abraçei a Dana com mais força e senti o aroma inconfundível do absinto desprender-se dos nossos lábios. Conseguia detectar, no meio de toda a vileza daquela rua, o cheiro do Outono, o cheiro de um Outono incendiado, que ardia também no meu coração. Senti umas mãos suaves, uma presença, um corpo que se cingia ao meu, o suave roçar daqueles cabelos negros, muito curtos, e do piercing metálico na minha pele. Um corpo que me dizia que já tinha chegado o Outono, e fazia nascer em mim as formas embriagadas dos sonhos, dos desejos e da temperança. Éramos um só corpo, com olhos verdes e azuis, mediterrânico e nórdico, homem e mulher, éramos violinos intocados que esperavam o Outono para soltar a sua música, éramos ossos e carne, éramos vértebras delicadas e sombras esguias, éramos lábios que buscavam lábios, mãos que sonhavam abraços. Ali, naquela ruela das putas, do absinto, dos pobres, dos marginais, dos órfãos de Gaudí, senti a amena felicidade das tardes ocres que passavam, havia algo que talvez nunca chegasse a saber o que era no ar, algo que caía do céu e parecia tocar apenas os nossos corpos.