Friday 5 February 2010

Luz de Janeiro

Barcelona, Janeiro de 2010. Fotografia de S.J.


Como o primeiro cigarro da noite, como os primeiros abraços, encontrámo-nos naquela festa logo no início. Tinhas o olhar sonhador e um cotovelo preguiçoso apoiado no balcão do bar. Ocupávamos aquele espaço com vontade de sair do centro da festa, das luzes brilhantes e das conversas vazias. Ali bebíamos tranquilamente, olhávamo-nos e deixávamos que a penumbra, a música e o suave desejo de um regresso juntos nos rodeassem. Tinha passado muito tempo até a oportunidade se materializar, mas sabíamos que não escaparia mais. Mais tarde saímos, não eram ainda as altas horas da madrugada, a noite não atingira o pico do seu breu. As ruas pareciam cenários de fantasia decorados especialmente para uma noite de Janeiro onde o amor vem dar um invernal passeio. As nossas sombras fugitivas cruzavam rápido as vielas, negras como um par de gatos vadios, as golas dos casacos subidas, o vapor da respiração suspenso no ar. Silhuetas sem voz, sombras que foram ganhando forma à medida que nos abraçávamos na noite gélida, e íamos construindo esta história que somos hoje. A tua casa naquele prédio tão antigo parecia um castelo sombrio cheio de mistérios, mas iluminou-se quando entrámos e aquela janela que não fechava bem não deixou entrar o frio nessa noite. O quarto estava cheio da dança de luz e sombras, um espectáculo que as persianas tantas vezes nos roubam, e ali estivémos até a madrugada trazer os primeiros bocejos da cidade. Lá fora o silêncio ia-se rompendo pouco a pouco, os sons da vida irrompiam de igual modo que os raios de sol no já morto breu da noite anterior. Eu não tinha dormido nada, ficara acordado a ouvir-te sonhar, a ver a dança nocturna das coisas. Quando me levantei na quietude desse Sábado, um sorriso tranquilo brilhava nos meus lábios.