Wednesday 30 July 2008

El llano en llamas

Durango, México. Fotografia de Olivier Alex.

Ontem fui despedir-me do Alejandro. Mastiguei esse verbo pelo caminho e resolvi não pensar demasiado nele, nem na partida iminente. Voltava ao México natal, um regresso que se adivinhava já pela falta da documentação essencial para continuar a residir na Europa. Voltava na manhã seguinte ao seu llano en llamas, a planície em chamas do interior sobre a qual escreveu Juan Rulfo. Uma certa impotência ronda-nos sempre nestes momentos, uma vontade interior de querer mudar o rumo das coisas, de poder gritar ou imaginar alternativas. Mas morre-nos na garganta. E no olhar. Um dia as nossas vidas cruzam-se. Mais tarde ou mais cedo, separam-se, quem entra numa vida sai dela também. Olhava-o enquanto ele falava do que iria ser o dia seguinte, e os dias que se seguiriam a esse. Em algum momento conhecemos as pessoas que nos marcam para sempre, e quando sabemos que as vamos perder é como se gravássemos na memória o máximo de informação possível, para que nunca desapareçam verdadeiramente. Depois vieram os copos, os brindes, as canções, as mentiras que dissemos entre todos... porque nestas ocasiões os amigos mentem acreditando que dizem a verdade. Com cada adeus a sensação é a mesma, passam meses e anos, e as noites são como poços de esperança de encontrar quem já passou, e as tardes nada mais que caminhos cheios de ausências. Mas há que dormir nessas noites e caminhar nesses caminhos e encontrar a força nos abraços, e ter a certeza definitiva de que estivémos juntos alguma vez, cruzando a planície em chamas.

Wednesday 23 July 2008

I'm the Grinderman, yes I am...

Grinderman, Summercase 2008, Barcelona. Fotografia de Quique.

"I'm the grinderman
In the silver rain
In the pale moonlight
I am open late
Yes I'm the grinderman
Seven days a week
In the pale moonlight
In the silver rain
Yes I'm the grinderman
Yes I am
Any way I can"



Nick Cave e a sua outra banda Grinderman. O poder solto em palco. A magnificiência de um artista completo. Há anos que não recordava ver um frontman como Nick Cave no Sábado passado. Ninguém diria que já vai nos 51 anos. E eu, como um puto, aos saltos e a cantar o tempo todo, de t-shirt , jeans rotos, os Puma laranja e a pulseira do festival. Pensei "Parece que tenho 17 anos!", mas deixei-me levar na torrente musical dos Grinderman e, abraçado aos meus amigos, saltamos e gritamos bem alto "kick those baboons and other motherfuckers out". Nick rules.

Monday 14 July 2008

Sinais

Parque Güell, Barcelona, Julho de 2008. Fotografia de K.


O silêncio do calor abatia-se sobre o parque, e dançava no ar o aroma a estio, flores e terra seca. Naquela palmeira fui procurar outro Verão, busquei o coração mal desenhado, gravado anos atrás naquele mesmo sítio. Um desenho e dois nomes numa praia de madeira em constante transformação, um corpo vivo e sulcado por um canivete, há tanto tempo, a primeira vez que ali estive. Já eram quase imperceptíveis, como se os tivéssemos gravado numa duna com os nossos dedos. O ir e vir de cada estação e o movimento vibrante da seiva haviam arrastado as nossas letras, os desenhos e os sentimentos quase naifs, até que se perderam nos labirintos da eternidade. Eternamente tragados no turbilhão do tempo e nas veias de uma palmeira, no vórtice sem fim de tudo o que se passou naquele parque, entre o sol de outras eras e os sonhos de Gaudí.