Sunday 22 June 2008

Do futuro

Calle Elisabets, Barcelona. Junho de 2008, fotografia de K.


Tenho sido um viajante incansável, percorrendo as ruas de sombra e poeira dourada do sol. Protegido pelas paredes graníticas das casas antigas, sob o baptismo do novo Verão, partilho este final de tarde com a Dana. Um efémero regresso a Barcelona, a quimera de bocas húmidas que festejassem o desejo que traz o estio. Caminhamos sem dizer uma palavra, ouvindo os ruídos dos viandantes e os passos cálidos do calor que passeia. De vez em quando olhamos um para o outro e sorrimos, e reparo em como é perfeita a sua pele e única a forma sensual da sua boca. Mas todas as bocas me deixaram o sabor amargo do vazio, como se cada uma proclamasse apenas a passagem das estaçőes, como se confessassem ao meu verde olhar que não iria criar raízes. As minhas mãos quiseram por momentos encontrar as suas mãos onde floresciam gestos e sonhos de aventuras distantes, mas depois lembrei-me que aquelas mãos também me deixaram no frio abraço do adeus. Continuamos a caminhar, aproveitando esse seu tempo de amazona que lhe permitira voltar, aquela voz de fada dinarmaquesa, aquele sorriso de miúda travessa. Falamos em inglês, como se o espanhol fosse já uma remota recordação de um tema tabu que não tocamos, e tenho cada vez mais a certeza que a sua vida nas minhas sombras é a resposta que esperava. A despedida é breve e cordial, no fundo sabemos que não queremos mais vazios nos nossos futuros, um deles aquí em Barcelona, o outro no distante Congo. Mesmo antes do crepúsculo, percorro ainda as ruas de sombra e doces mistérios da Barcelona antiga, com o pensamento noutra pessoa, cuja boca nunca beijei mas que faz com que algo dentro de mim se ilumine, e se aclare a côr do meu olhar, e se alargue o horizonte do futuro onde sei que a vou encontrar.

Monday 9 June 2008

These are a few of my favorite things

Plaza Sant Felip Neri, Barcelona, Maio de 2008. Fotografia de K.


Ver os gatos ao sol como lânguidos seres peludos, ler poesia e sentir a força das palavras, atirar pedras e vê-las saltar no lago do Parque do Retiro, ouvir Zeca Afonso numa estrada secundária numa tarde de Verão. Vinho tinto e queijos portugueses, espanhóis e franceses com conversas amenas, o Museu do Prado com a companhia da Bea, o cheiro do café acabado de fazer, a Praia do Espelho na Bahía, Johann Sebastian Bach no primeiro despertar cada vez que vou a Portugal. O peixe grelhado na esplanada de um restaurante de pescadores, as caretas que troco com o menino que está no carro ao lado num engarrafamento, a chuva de Maio, reler “O Fio da Navalha”, caminhar nas dunas, o cheiro de um livro antigo, ler baixinho Julio Cortázar numa noite fria, o pão da aldeia barrado com manteiga, regar as plantas da Catarina com o shaker de cocktails, o “Begin the Beguine” do Cole Porter, respirar tranquilamente num bosque. Receber um postal, a máquina de escrever Underwood do meu avô, Jordi Savall no Palau de la Música Catalana, o barulho das ondas do Atlântico, os casacos de couro retro, velas negras e verdes, os clubes de jazz de Barcelona e Paris.

Cantar sozinho no duche, oferecer flores quando não se espera, tomates cherry, o sabor de um puro cubano, conversas intermináveis na Plaza Sant Felip Neri, ouvir The Magnetic Fields num descapotável na costa de Girona, o aroma a manjerico nas ruas do Porto no S. João, lagostins e cerveja ao pequeno-almoço no Mercat de La Boquería num Sábado de Verão. Dormir ao ar livre, o sorriso da Audrey Hepburn, os amigos boémios e anarquistas, a recordação do primeiro beijo, os fotogramas surreais do David Lynch, o sal na pele e nos lábios depois de um banho no mar, andar perdido nas ruas de cidades que amo, o som de um comboio ao longe, as palavras da Joana Manuel. Os abuelitos madrileños nos bancos do bairro de La Latina, descobrir palavras novas num dicionário, o riso da minha mãe cada vez que digo um disparate, o cheiro de alfazema num quarto, os provérbios de Lao-Tsé, andar no eléctrico 28 em Lisboa, a alegria dos dias de praia em S. Pedro de Moel. As minhas velhas botas Camel, as fotografias antigas da família, as histórias que vivi com os meus amigos, a recordação da magia do Maradona, o sabor do último beijo.