Saturday 17 November 2007

Um luar espelhado

Fotografia de Dana.

Observava aquela rapariga há algum tempo. O jantar havia chegado ao fim e as pessoas já terminavam os seus digestivos, a orquestra tocava e havia pares a rodopiar na pista de dança. O formalismo do evento e os discursos tinham ficado para trás, e os antes cerimoniosos convidados riam sem parcimónia e giravam em passos arrojados, flutuando quiçá nos eflúvios etílicos do Ribera del Duero. Conhecia vagamente a rapariga, chamava-se Rosario e tinha-me sido apresentada numa outra festa ou evento. Era filha de um conhecido advogado, teria pouco mais de vinte anos, reservada e bonita, com um rosto impassível e geométrico. Levantou-se, aceitando o convite que um homem jovem lhe tinha dirigido para dançar, entregou a carteira a uma das colegas que a acompanhavam e sorriu nervosa. Caminharam até à pista, ela protegida pelo jogo de luzes que se alternavam no seu sóbrio vestido, ele com a confiança a bailar-lhe no sorriso quando a envolveu nos seus braços e começaram a girar abraçados. A orquestra tocava Calle Cabildo, de Edmundo Rivero, a pista estava muito composta e observei-os a dançar agarrados, aproveitando o momento para falar baixinho, intimamente como só numa dança é possível. Ao meu lado a minha atenta companhia olhava-os também e pousou a sua mão sobre a minha, os gestos podem muitas vezes ser mais expressivos do que as palavras. As costas da rapariga apoiavam-se na mão direita do seu par, a música invadia com passadas de veludo o recinto, e uma lua de espelhos girava no ar, emprestando a tudo a aura de um baile antigo. A luz ia escurecendo, os corpos encostavam-se e a orquestra avançava para outro tango, um claro desafio à expressividade dos movimentos, aceite até por aqueles que bebiam a noite envoltos numa cortina de fumo de tabaco. Da varanda, por entre o jogo de luzes, avistei a Rosario, parecia desenhar arco-íris com os seus sapatos na pista de dança, expectante sob os piropos daquela falsa lua. Num gesto de elegância hesitou, mas não virou a cara, e beijou também, fingindo saber enquanto aprendia. E a música mudava, e lá fora o fulgor de outra lua espalhava-se sobre a noite, e também eu era cingido por um abraço e havia um perfume novo no jardim.