Varanda em Barcelona, Novembro de 2008. Fotografia de K.A tarde desce pela rua junto ao porto, com passos lentos, como se se balançasse ao ritmo da tranquilidade invernal do Mediterrâneo. As casas velhas parecem palidecer em tardes assim, a sua maltrapilha melancolia aumenta e são tristes as paredes decadentes e descoradas. Nas janelas junto ao porto brilham as últimas fosforescências do dia, reflexos do mar que evocam olhos mortos que olham a tarde como se recordassem algo muito antigo, vivido há muito tempo. São cinco horas da tarde e há algo no ar, uma doçura que retém as pessoas que passeiam por ali, uma doçura quase carnal, os lábios da tarde. Os rostos dos desconhecidos suavizam-se em tardes assim, faces que nunca vi parecem-me estranhamente amistosas ou familiares. Os rostos das pessoas são feitos de luz, ardem com uma espécie de inocência infantil, ardem contra a escuridão, o esquecimento e as mentiras da noite. Saboreio o momento, tento assimilar o segredo dessa doçura e guardar na recordação o olhar dos homens que passeiam pelo porto. A doçura é como se cada um deles recordasse uma mulher, os seus corpos abraçados, a cabeça no seu ventre, os dedos passeando pelos cabelos. O silêncio dos desconhecidos. O silêncio dos desconhecidos é uma onda de nostalgias e memórias de horas assim que atravessa a rua, são os braços morenos tatuados e os vestidos de verão, os rostos de ternura, as janelas entreabertas das residenciais e as soleiras das portas dos bares com cores de abandono.
Até que a rapariga aparece na varanda, passando entre a cortina amarela. Dirige o olhar ao mar, nada mais do que ao mar, de pé sobre tarde. Fica ali um longo instante, e vê-se a intimidade do seu quarto, atrás dela a cama por fazer. E os rostos arderam com outro fogo, a aparição interrompe aquele silêncio, o presente que reclama o seu protagonismo face à vontade inerte de uma tarde suave que já passou. Foi só um longo instante, mas a aparição ficou a dançar nos olhos dos desconhecidos, e em todos os rostos pareceu-me ver a crença de a terem amado alguma vez, talvez noutra forma, talvez muito antes de que chegasse esta tarde. As luzes do entardecer pareciam vagos reflexos dela.
Até que a rapariga aparece na varanda, passando entre a cortina amarela. Dirige o olhar ao mar, nada mais do que ao mar, de pé sobre tarde. Fica ali um longo instante, e vê-se a intimidade do seu quarto, atrás dela a cama por fazer. E os rostos arderam com outro fogo, a aparição interrompe aquele silêncio, o presente que reclama o seu protagonismo face à vontade inerte de uma tarde suave que já passou. Foi só um longo instante, mas a aparição ficou a dançar nos olhos dos desconhecidos, e em todos os rostos pareceu-me ver a crença de a terem amado alguma vez, talvez noutra forma, talvez muito antes de que chegasse esta tarde. As luzes do entardecer pareciam vagos reflexos dela.
3 comments:
Um coração batendo é um mal preciso para o equilibrio do universo.
Por vezes são pequenos instantes que mudam histórias, mudam vidas, mudam olhares. :)
hola k
siempre tan sensorial.
relatos como de un film.
Post a Comment