A tarde desce pela rua junto ao porto, com passos lentos, como se se balançasse ao ritmo da tranquilidade invernal do Mediterrâneo. As casas velhas parecem palidecer em tardes assim, a sua maltrapilha melancolia aumenta e são tristes as paredes decadentes e descoradas. Nas janelas junto ao porto brilham as últimas fosforescências do dia, reflexos do mar que evocam olhos mortos que olham a tarde como se recordassem algo muito antigo, vivido há muito tempo. São cinco horas da tarde e há algo no ar, uma doçura que retém as pessoas que passeiam por ali, uma doçura quase carnal, os lábios da tarde. Os rostos dos desconhecidos suavizam-se em tardes assim, faces que nunca vi parecem-me estranhamente amistosas ou familiares. Os rostos das pessoas são feitos de luz, ardem com uma espécie de inocência infantil, ardem contra a escuridão, o esquecimento e as mentiras da noite. Saboreio o momento, tento assimilar o segredo dessa doçura e guardar na recordação o olhar dos homens que passeiam pelo porto. A doçura é como se cada um deles recordasse uma mulher, os seus corpos abraçados, a cabeça no seu ventre, os dedos passeando pelos cabelos. O silêncio dos desconhecidos. O silêncio dos desconhecidos é uma onda de nostalgias e memórias de horas assim que atravessa a rua, são os braços morenos tatuados e os vestidos de verão, os rostos de ternura, as janelas entreabertas das residenciais e as soleiras das portas dos bares com cores de abandono.
Até que a rapariga aparece na varanda, passando entre a cortina amarela. Dirige o olhar ao mar, nada mais do que ao mar, de pé sobre tarde. Fica ali um longo instante, e vê-se a intimidade do seu quarto, atrás dela a cama por fazer. E os rostos arderam com outro fogo, a aparição interrompe aquele silêncio, o presente que reclama o seu protagonismo face à vontade inerte de uma tarde suave que já passou. Foi só um longo instante, mas a aparição ficou a dançar nos olhos dos desconhecidos, e em todos os rostos pareceu-me ver a crença de a terem amado alguma vez, talvez noutra forma, talvez muito antes de que chegasse esta tarde. As luzes do entardecer pareciam vagos reflexos dela.
Até que a rapariga aparece na varanda, passando entre a cortina amarela. Dirige o olhar ao mar, nada mais do que ao mar, de pé sobre tarde. Fica ali um longo instante, e vê-se a intimidade do seu quarto, atrás dela a cama por fazer. E os rostos arderam com outro fogo, a aparição interrompe aquele silêncio, o presente que reclama o seu protagonismo face à vontade inerte de uma tarde suave que já passou. Foi só um longo instante, mas a aparição ficou a dançar nos olhos dos desconhecidos, e em todos os rostos pareceu-me ver a crença de a terem amado alguma vez, talvez noutra forma, talvez muito antes de que chegasse esta tarde. As luzes do entardecer pareciam vagos reflexos dela.
3 comments:
Um coração batendo é um mal preciso para o equilibrio do universo.
Por vezes são pequenos instantes que mudam histórias, mudam vidas, mudam olhares. :)
hola k
siempre tan sensorial.
relatos como de un film.
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