Saturday 27 October 2007

A casa dos caracóis

La casa de los caracoles. Fotografia de K.


A Claudia afasta uma madeixa rebelde do seu cabelo castanho e acende outro cigarro. Um sorriso vitorioso assoma ao seu rosto moreno, e eu não reprimo a minha réplica da felicidade que sabia um dia iria ser realidade. As lágrimas, enfim, tornaram-se sorriso. A humildade, enfim, deu lugar ao orgulho. A tão sonhada legalização como cidadã espanhola e um contrato de trabalho decente rasgam os céus plúmbeos para a entrada em dias mais azuis. Brindamos com as nossas garrafas de cerveja e falamos dos planos para esse futuro do qual durante tanto tempo a Claudia duvidou que chegasse.
- Eu sempre tive a certeza disto, Claudia, era uma questão de acreditares e perseverar.
- Não diga isso não, que eu estava já duvidando, desesperando, tanto passei...
- Conheces a história da casa dos caracóis?
- Casa dos caracóis?? Não! Que é que isso tem a ver comigo?


Conta a lenda, ou pelo menos ouvi-o num bar antigo, que no final do século XIX chegou a Barcelona um lavrador do interior de Espanha disposto a procurar uma vida melhor. Conseguiu um trabalho, duro e com um salário paupérrimo, com o qual mal conseguia manter-se. Como não cobrava o suficiente para pagar uma renda, habitava uma passagem entre dois edifícios que estavam em construção, perto da zona que é hoje Hostafrancs. No Inverno passava fome e frio, e como enviava quase todo o seu parco salário à família, sobrevivia cozinhando ervas e apanhando o que podia do lixo, e comendo caracóis. Numa noite glacial, desesperado, nem um caracol encontrava para levar à boca e resolveu escavar na terra em busca de raízes de plantas ou algo. Ao fim de pouco tempo a revolver a terra bateu em algo duro, e não eram raízes de nenhuma árvore, mas sim um cofre com moedas de ouro. Como a fortuna lhe sorriu, comprou os dois edifícios que estavam a ser construídos, entre a passagem onde tinha vivido como um vagabundo. Em memória do que tinha passado, e para agradecer aos caracóis que tantas vezes o tinham salvado na miséria, mandou esculpir como adorno das enormes varandas das fachadas dois gigantescos caracóis. Trouxe toda a sua família para Barcelona e os edifícios ainda existem nesse mesmo sítio, com os dois caracóis enormes nas varandas, como que afirmando ainda hoje: podes começar do nada e, sem te dares conta, chegar ao cimo.

- É bonito... Pena eu não ter moedas de ouro não...
- As moedas de ouro são um pormenor. O que conta na lenda não é como a fortuna sorriu ao vagabundo. O que importa mesmo é o que ele fez da sua sorte quando ela lhe sorriu.

6 comments:

Rute Coelho said...

Não percorremos todos esse caminho?não buscamos todos essa sorte? A oportunidade pequena, média ou grande de mostrarmos que somos alguém. A sorte encontra-no em algum momento da vida. Há é muitos que lhes fecham os olhos e procuram melhor sorte. pensando que na próxima é que é.
Tolos,eles não sabem nem sonham que uma frecha de luz já pode ser um caminho.

musqueteira said...

viva K!...há instantes assim.;)

Tiago Nené said...

http://bloguedasartes.blogspot.com/

juntem-se a esta sociedade de bloggers;)

cresçam connosco!

Anonymous said...

ó Katrinha, paxei por aqui super-rápido, tipo visita-tufão. beixinhos.

cläu said...

me encantan las casas de caracoles
me encantan tus fotos
me encanta leer tu lengua
me encantaría entenderla
y me encantan tus visitas

besote

susemad said...

Está engraçada esta lenda. As lendas têm sempre este lado bonito e encantado! :)
Depois é só retirar delas o ensinamento.