Saturday 20 October 2007

A noite tinha caído

Parc de la Ciutadella. Fotografia de K. Tratamento de A.C.


A noite tinha caído e eu passeava nas cercanias do parque junto ao mar. Na escuridão não estava realmente escuro por completo, das janelas iluminadas dos prédios longínquos vinha um pálido resplendor. Caminhava sobre a relva, sentindo os sapatos afundarem-se um pouco naquele verde escuro, e enquanto pensava em tantas coisas dirigia o olhar para o alto, para ver se o céu estava sereno. Recordações dos que já partiram para sempre vieram ter comigo. Tantas vezes sonhei com essas ausências, e lembro-me de perguntar no silêncio da noite: dormes? Eu acordava e ficava quieto, sentado na cama, sozinho no escuro, mas ninguém nunca respondia. Dormiriam, mas longe, muito longe de mim, debaixo da terra escura de outro país e talvez com os anos já ninguém se lembrasse deles, nem ninguém lhes levasse flores. Lembrava-me de dizer os seus nomes em voz alta, de chamar por eles, Daniela, Marta, João, Filipe, Isabel, Nuno, de chamar pelos que cresceram comigo, pelos que conheci quando era criança, pelos que dançaram comigo. Mas ninguém respondia. Nenhum dos que comigo partilharam verdades, dos que comigo descobriram o mundo, a música e os livros, o amor e as coisas mais belas. Nessa noite quis também chamá-los outra vez, gritar os seus nomes e romper a espessa cortina de breu que me apertava, mas apenas um fio de voz saía da minha garganta. Ao longe parecia ouvir-se uma voz que respondia num sussurro, mas talvez fosse só um qualquer som nocturno, o rumor do mar ou a brisa nas árvores do parque. Talvez fosse assim, mas continuo a chamar os seus nomes. Nos momentos em que vem até mim a memória dos amigos, os pedaços da minha vida que me foram cruelmente arrancados, nesses momentos em que tantas coisas dolorosas se agitam dentro de mim e eu fico assim, desamparado na vida como uma criança assustada, chamo os seus nomes. Nunca ninguém responde, mas ainda assim eu lembro-me deles.

5 comments:

cläu said...

qué bonita visita
besote

Anonymous said...

Se existir alguma coisa além disto que conhecemos, certamente eles lembrar-se-ao de ti. E se nao houver nada, que se lixe, pelo menos tiveram-se uns aos outros, em algum momento. Beijo.

Cecilia A.E said...

...vagamos en busca de amparo...
quizás algún día no necesitemos "más amparo que la piel"

un beso

intruso said...

texto muito belo
(muito verdadeiro)

somos também o que vai ficando dos outros...

abraço

Rute Coelho said...

"Os meus mortos não morreram sozinhos, ficaram gravados na crosta da minha pele" Esta é a frase de um livro que ainda não escrevi, mas descreve e sintetiza bem o teu trecho.