Sunday 2 November 2008

La relógica invisible

Metro de Barcelona, Outubro de 2008. Fotografia de K.



Chovia em Barcelona, a tarde era vazia e cinzenta e as ruas estavam desertas. A chuva fustigava a cidade desde manhã e quando entrei na estação de metro completamente empapado tive que dar uma corrida para conseguir entrar na carruagem que estava parada na plataforma de embarque. Na carruagem não ia muita gente e aproveitei para sentar-me e evitar pensar em todas as coisas que me ocupavam o pensamento, tão vazias e cinzentas como a própria tarde. As ausências, as distâncias, os clarões da memória que não conseguia justificar nem com o meu próprio egoísmo, indiferença ou cansaço. Tirei o casaco encharcado e reparei numa rapariga que se aproximava, falando em voz baixa com os passageiros, estendendo-lhes algum papel que, um após outro, iam recusando. Outros nem a olhavam. Deixava alguns papeis nos assentos vazios. Era pequena, magra e tinha ar de menina, teria uns vinte e cinco anos. Vestia de castanho escuro, como o seu cabelo curto e quando se me acercou esboçou um sorriso tímido que contrastava com os seus tristes olhos escuros. “Queres comprar um livrito com as minhas poesias?”, perguntou-me. Fiquei um pouco surpreendido mas disse sim, e estendi-lhe o euro que ela pedia em troca. “La relógica invisible”, chamava-se. Eram oito folhas agrafadas, uma edição manual, ilustrada com simples desenhos, quase infantis. Na capa li o nome dela: Serena Urdiales. Fui folheando o pequeno manuscrito e li um poema ao acaso, chamava-se “Las alas del deseo”. “Un ángel diciendo / que quiere tener peso, conocer / los colores aromas y sabores, / encontrar dónde / comienza el tiempo y termina / el espacio. Encontrar, / no la estación donde el tren / se detiene, sino / la estación / donde la estación se detiene.” Quando olhei, vi-a voltar para trás, recolhia os exemplares que deixara nos assentos que não estavam ocupados, talvez com a esperança que alguém mudasse de opinião. “Só me compraste tu”, disse-me enquanto recolhia os livritos ao meu lado. “És tu quem escreve?”, pergunto. “Sim, sou a Serena”, respondeu em voz baixa, “mas dá igual, quase ninguém compra. As pessoas já não gostam de palavras”. “Não deixes de escrever nunca”, digo-lhe enquanto os seus olhos tristes me fitavam. No seu rosto passou uma sombra de melancolia, e a sua mão pequena fez um gesto de indiferença, como se afastasse a ilusão das horas sem retorno. “Seria bom, se pudesse começar tudo de novo. Noutro sítio, onde pudesse escrever as palavras que levo dentro. A vida é decepcionante, não?”. Sim, é decepcionante, Serena, pensei enquanto a vi sair para entrar noutra carruagem.

5 comments:

alien aboard said...

eu tb comprava um exemplar d poesias à miuda só para ela voltar a acreditar k a vida n é decepcionante enkuanto houver pessoas no metro a vender poesia a 1 euro :)

pk a vida é surpreendente e às vezes extremamente bela, mxm k imersa nalguma melancolia (ou se calhar por causa dixo mxm...)

Anonymous said...

Que triste, daquele triste nostalgico em que so apetece dar um abracinho quente e feliz a Serena...

Anonymous said...

meu caro K., não sei se algum dia haverá livro, mas há sempre, com certeza, alguma vontade de escrever.

liguei este blog ao meu, espero não te desagradar.

abraço

Elipse said...

No urbanismo da indiferença é onde caminham as pessoas que têm medo de pensar. Isso não muda e os poetas serão sempre loucos.

Monalisa said...

A vida é decepcionante.