
Estava na sala de jantar, na lareira crepitavam alguns troncos pequenos num leito de labaredas alaranjadas. A mesa estava já preparada, com a toalha de linho bordado, o serviço antigo de louça de Viana e os copos de cristal. Não se ouvia o som da televisão nem os rugidos dos automóveis na rua, apenas os ruídos dos últimos preparativos na cozinha. Nas paredes e nos passepartout espalhados pela sala vigiavam-me as caras de antepassados e de nós mesmos nos anos da infância ou início da juventude. No andar de cima ouvia-se uma porta a fechar, e passos lentos e abafados no tapete do corredor. O aroma da madeira que ardia e o som das fagulhas que iam rebentando nos troncos davam um tom nostálgico a tudo, acentuavam o ar démodé daquela sala e anunciavam promessas de melancolia. Trazia-me de volta à realidade o odor dos filetes de polvo que chegava da cozinha, polvo galego que era sempre tenro e macio. Os passos no corredor eram da minha avó, ouvia já o roçar do seu vestido nos degraus da escada, vinha acompanhada pela minha tia, que lhe cochichava qualquer coisa baixinho. Em breve terminaria o silêncio da noite de Natal e os risos soltar-se-iam, misturando-se com as lembranças de outras noites como aquela.
Agora, tudo não passa de lembranças felizes. Apenas o silêncio se mantém, como se houvesse algum secreto apelo ao recolhimento e à reunião íntima. O tempo dos outros Natais parece tão distante, a família, as sobremesas abundantes servidas tarde, o nervosismo que antecedia a abertura dos presentes. Esta noite aproximei-me da janela e afastei as cortinas para ver o céu, o céu negro da cidade do Porto. E fiquei sem palavras porque no alto, entre o frio e a quietude, brilhavam as estrelas. Brilhavam e a mim parecia que iluminavam todo o horizonte, tudo o que tinha ficado para trás da linha desse horizonte e tudo o viria ainda. Fiquei mais uns momentos a observar aquele céu, e pareceu-me ouvir a voz suave do Chet Baker cantar “and I remember too a distant bell / and stars that fell / like rain / out of the blue”. Era belíssima a visão da abóbada celeste, o sítio de onde saíram os meus primeiros sonhos, o céu negro da cidade onde nasci.
12 comments:
( ... de dentro do fundo, este!
No glass in between. Feliz Natal, Mr.d.d. )
:) :) :)
Feliz Natal... Onde quer que te sintas em casa.
Que texto maravilhoso. Uma pena que já estejas de partida outra vez, mal te vimos, como sempre. Volta em breve.
ler-te aquece-me a alma :)
um beijo
Estas palavras estão carregadas de nostalgia e de sentires, de aromas e de sabores, de pinceladas e de cores, de sonhos e de magia, de...
Sabe sempre bem regressar às boas lembranças!
Um abraço
Não fui à cidade onde nasci no Natal, mas sempre considerei o nascimento puramente acidental. Na minha família mudamo-nos todos de cidade com pouco tempo de vida e somos todos um pouco estrangeiros em nossa casa. Muito sentido o teu texto (pst: a minha irmã também é do Porto!)
Eu fiquei sem muitas palavras para dizer....depois de ler o teu texto!
Um Feliz 2008, com Paz e Amor em cada lar
BShell
Eu nasci do outro lado do rio...
Um abraço e votos de Festas Felizes!
as lembranças! ... lo triste y dulce...
k, te dejo un abrazo
gracias por tus visitas y tus palabras, siempre una alegría encontrarlas.
buen año, lo mejor, lo posible
(hoy festejo el comienzo del año, con mi familia portuguesa, con mi tía que siempre recuerda(lembra) y canta hermosas canciones de su pueblo natal ... tomaremos vino verde)
Feliç any nou!
Um 2008 mágico...
Beijo
Graça
Dizem que as sensações olfactivas são as que mais demoramos a esquecer...
Parece que é mesmo assim. Ao ler os teus últimos textos vê-se como os odores te transportam para mundos esquecidos, vivências antigas...
Gostei deles.
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