Monday 2 March 2009

Num pátio de luz


Pátio no Raval, Barcelona. Março de 2009. Fotografia de K.


Na claridade da manhã deste sábado já primaveril, na calma de um dos muitos pátios escondidos do Raval, as crianças confraternizam-se com a alegria de voltar a brincar nas ruas. O sol aparece de trás das nuvens e incide levemente sobre elas, faz com que novas cores apareçam nas suas faces saudáveis e sorridentes. Fecho o livro que estou a ler e olho-as com mais atenção. Então vejo que estão não só a brincar mas também a treinar com umas fitas circenses. Um homem jovem acompanha o pequeno grupo e treina também, enquanto vai dando conselhos a todos, em particular à rapariga mais velha do grupo. O vento afaga-lhes os cabelos com a sua mão invisível e o sol, vencido pela sua timidez, volta a esconder-se atrás das nuvens brancas. Um novo grupo de crianças chega ao pátio e junta-se às brincadeiras. As meninas cantam, e movem-se quase em sintonia. Não entendo o que cantam, mas são cantigas simples, de sentido insondável, acompanhadas de gestos estudados. Os rapazes, como sempre, correm anarquicamente atrás uns dos outros e travam lutas imaginárias com as fitas coloridas, como se entre eles tecessem uma tela de cores. A monitora que chegou com o segundo grupo de crianças conversa silenciosamente com o homem jovem, que sorri e tem estampado na cara o quanto quer aquela mulher. Recordo como eram as minhas brincadeiras no recreio, no Porto. Os mesmos risos, a mesma alegria. Não são só mil e trezentos kilómetros de distância, é um universo paralelo que já só existe dentro de mim, na recordação daquele ser pequenino que fui e dos amigos e amigas que cresceram comigo. O sol volta a brilhar e as crianças gritam entusiasmadas o amor espontâneo à vida, a vida que vai chegando despercebida e breve. Também quero ter uma criança assim, um dia. Sorridente, feliz, a brincar na rua sob o sol primaveril. Os dois monitores viram-se para o grupo, em silêncio, e olham as crianças contemplativamente, com um sorriso sonhador nos lábios tristes.

5 comments:

intruso said...

Há momentos assim, de uma claridade absoluta...

...como se num pátio do Raval (ou em qualquer outro pequeno lugar) coubesse o futuro.

[parar/agarrar o tempo...]


abraço

Anonymous said...

Gosto da maneira como vês as crianças. Como viste aquela menina de cabelo curto sobre quem escreveste uma vez há uns tempos...

Fabiano (LicoSp) said...

Adoro a ingenuidade e simplicidade das crianças, embora não seja muito fã delas.

ótimo blog.
abs

tchi said...

A vida ilumina-se com a cor dos sorrisos.

candida said...

eu, já sabes, adoro o k escreves e como escreves. é tudo tão claro. escreves mesmo muito bem.