
Debruças-te no balcão quando os demais já se foram, e não vês a cara séria do barman que fecha o sítio lentamente. Não foste capaz de incendiar a vida, de vivê-la e reduzi-la a cinzas, e escolher os caminhos sem medo. Os teus lábios estão selados para o mundo e só se entreabrem para sorver o último whisky. Não mais te levantaste cantarolando velhas melodias irlandesas, como aquela do marinheiro bêbado que cantavam os jovens da mesa do fundo horas antes. No teu âmago afogam-se as baladas e canções do mar, extraídas dos velhos cancioneiros celtas, já esquecidas entre o whisky ambarino e o desânimo dos dias. Talvez vagueies pelos caminhos encharcados do Inverno, pelas alamedas que levavam à praça da tua aldeia, onde as raparigas outrora desejavam o teu coração de cotovia. Agora o teu coração bate devagar, separado da madeira do balcão pelo couro do casaco, e nele te debruças com aquela mesma melodia irlandesa no pensamento. Os olhos arrogantes do barman pousam de novo sobre ti e perguntam-se “que vamos fazer com o marinheiro bêbado?”. Mas já longe ia ele, perdido noutras marés, com a cabeça apoiada no balcão dos sonhos e toda a obliquidade da luz reflectida nos cabelos grisalhos.