Tuesday 10 August 2010

Ontem à noite sonhei contigo outra vez

Entardecer em Porto Covo, Agosto de 2010. Fotografia de K.


Muitas vezes tenho o mesmo sonho, um pesadelo recorrente, estranho e inquietante. Desde há muitos anos. Estou sozinho no meio de uma multidão que passa sem me ver ou ouvir, e repito uma frase como um mantra, e demorei muitos sonhos a perceber cada palavra até saber a frase completa. Depois caio no vazio até perder a consciência e acordar deste lado. Antes costumava pensar que alguém me ampararia nessa queda infinita, mas ontem repetiu-se o que já tinha acontecido uma vez. Voltaste a entrar nesse meu sonho. Saíste do meio da multidão e pousaste a tua mão no meu braço. No sonho não sei o teu nome, ou não são precisos nomes, e sorriste-me e disseste-me as mesmas palavras que na vez anterior. E o teu sorriso era a visão mais bonita do mundo, as formas delicadas do teu rosto afastavam as cinzas do dia e a tua voz era o som que faria um perfume sorrir, e as cores falar, se pudessem. E não me amparas na queda porque não chego a cair. Ficamos juntos, sob a inocência da aurora que aparece, e eu olho para os teus olhos como se disso dependesse todo o mundo, e toda a vida corresse no meu ser. E depois acordo.

3 comments:

isabel said...

Assim como o primeiro post teu que eu li ~~

uma delícia ~~

susemad said...

«Se acariciasse o sonho
ou apenas um filamento
da figura que nunca se desnuda
porque está sempre atrás dos olhos
se pudesse abraçar o corpo que ignoro
talvez o corpo do meu corpo
que reside entre a separação e o encontro
se pudesse atravessar a fronteira
entre o incompleto e o completo
se pudesse anular a torpeza irredutível
em que se afunda o mistério mais puro
se pudesse penetrar de um salto
no centro dessa rosa obscura
de que a palavra nunca será o espelho
se pudesse ser a balança flexível
do astro que sorri às vezes sob a água
e a que chamamos anjo
porque tem o aroma do horizonte
se pudesse ser a palavra exacta e viva
do seu rosto transparente inclinado e leve
se pudesse inverter o movimento do poema
e beber a própria sede do náufrago inocente
poderia construir um templo completamente vazio
e tocar o extremo puro do que não existe»
in Os Animais do Sol e da Sombra seguido de O Corpo Inicial, de António Ramos Rosa

nikita said...

Que bem que escreves!