Tuesday 20 October 2009

Os telhados de Barcelona


Barcelona, Outubro de 2009. Fotografia de K.


As nuvens de Outubro chegaram para encobrir o magnético céu azul de Verão. Subi ao telhado como noutras vezes, eu que sem saber nunca muito bem porquê, acabo tantos entardeceres nos telhados de casas da cidade condal. A este nunca tinha subido, e sorrio ao descobrir uma nova perspectiva da cidade. Vejo a Sagrada Família lá ao longe, e os sons da cidade parecem muito longínquos, e recordo a primeira vez que escrevi num telhado. Foi na minha casa na calle Rossellón, ao lado de La Pedrera, um texto curto chamado “Se tivéssemos um dia”, há já mais de três anos. Foi uma tarde inesquecível, o sol afundava-se sobre o casario e a Valeria acompanhava-me, fotografando esses momentos enquanto a minha caneta deslizava pelo moleskine. Eu era feliz porque estava ali e escrevia para alguém que estava muito longe, mas ao mesmo tempo muito perto de mim, e sentia que essas palavras eram parte da verdade que levava dentro e era bonito encontrá-las ali, assim, naquele telhado. Agora leio mais do que escrevo nos telhados. E os meus amigos, amigas ou conhecidos a quem peço acesso aos cumes das suas residências olham-me entre boquiabertos e suspeitosos por semelhante requisição. Mas gosto de subir e ficar aqui, a sonhar desperto, pensando que um dia todas as portas se abrirão e então poderei ver tudo, e a surpresa não queimará a minha língua. E então compreenderei o crescimento das plantas, a mudança de pêlo nas crias pequenas, a emancipação das palavras. Encontrarei os sinais da mudança e a queda dos astros no céu será a prova da existência de outros caminhos. Nestes telhados morre em cada entardecer a aparência de um mundo que muda, e um dia no meu olhar nascerá, nua e bela, a essência do seu segredo.

2 comments:

mjm said...

Como será "a essência do segredo" para um gato escritor?

K. said...

Para um gato dos telhados (e nao escritor), a essencia do segredo (e o segredo da essencia) e a beleza do mundo. ;)