Monday 27 October 2008

A luz de Lisboa

Igreja das Chagas, Lisboa, Outubro de 2008. Fotografia de K.

O dia estava luminoso como um milagre, a tão famosa luz de Lisboa banhava a cidade. Nem os céus da mediterrânica Barcelona se compõem de tons tão definidos, de tal nitidez e harmonia que faz com que tudo pareça parado no tempo. As casas da baixa lisboeta adoptavam os matizes suaves e quentes daquela tarde do final de Outubro e pareciam reflectir na sua alvura o segredo dos países ibéricos: a benção de um dia perfeito a uma semana de entrar o mês de Novembro. Cheguei um pouco antes da hora à Igreja das Chagas, e fiquei a observar o casario e os tons dourados da tarde. Alguns familiares e convidados começavam a chegar para a cerimónia, e falavam entre eles em tom baixo e sereno, como se não quisessem interromper abruptamente o saborear daquela tarde sem pressa. Pensava nos noivos que em breve estariam casados, em tudo o que fez com que nos conhecêssemos, em todas as coisas que aconteceram e que vivemos para que eu pudesse estar ali. Fechei os olhos e deixei-me beijar pela luz quente que caía, e senti de novo desenhando-se na minha face aquele sorriso que me invadiu recentemente. Ainda estava comigo, mais forte, mais tranquilo, luminoso como a tarde e como quem o fez brotar em mim. Alguns dos meus amigos chegavam entretanto e cumprimentávamo-nos alegremente, desta vez era a luz da amizade que resistira a anos de separação que nos aquecia. A Mónica mostrava-me a prenda que ela e o João ofereceriam, e o cartão que a acompanhava. Tinha escrito numa caligrafia belíssima um poema de Alberto Caeiro, que a Mónica leu com o seu nítido sotaque catalão.

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não sei andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se não a vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

As palavras invadiam-me, o céu límpido era da cor que deve ter a ilusão, e aquele sentimento que crescia dentro de mim era tão forte e decidido que não sabia que nome lhe havia de dar, mas sentia-o aflorar nesse sorriso. Fechei os olhos de novo e senti a quase imperceptível brisa do entardecer passear entre nós. Aquela tarde parecia um momento mágico em que os sonhos e os presságios dos dias felizes ainda por vir passeavam pelos telhados vermelhos do Chiado, deixando atrás de si uma espécie de alegria musical. Naquele momento desejei que não tivesse que partir nunca.

2 comments:

M. said...

:D é o que eu tenho a dizer sobre este post. E também ainda podia dizer :D mas acho que me estaria a repetir...

Anonymous said...

Lindo... mais palavras para que?